Resumo
Em geral, os estudos sobre história da sociedade colonial utilizam fontes deixadas pelas diversas instâncias do poder: leis, relatórios e instruções, correspondências oficiais, consultas, etc. Contudo, o cotidiano das relações pessoais de dominação está praticamente ausente destes documentos. Ao contrário, os papéis deixados pelo Juízo Ordinário e pela Provedoria dos Ausentes – duas das instâncias judiciais nas vilas – ao longo do período colonial constituem fontes altamente privilegiadas para a realização destas pesquisas. Processos cíveis e crimes, inventários e testamentos, autos de justificação de posse de escravos fugidos e muitos outros documentos fornecem dados não só para estudos de história econômica e social mas, essencialmente, para estudos que pretendam penetrar no cotidiano das relações de dominação e exploração. Deste conjunto destacam-se especialmente os processos-crime (autos de devassa, libelos crime de agravo e livramento), que permitem recompor este universo, fundamental para o estudo do controle social na Colônia. Certos documentos pertencentes às Câmaras como, por exemplo, os Livros de Termos de Prisões e Livros de Alvarás de Soltura podem fornecer muitos dados quantitativos para o estudo da estratificação social e de grupos sociais específicos. Porém, os processos-crime – seja pela revelação de um conflito particular, seja pelas testemunhas inquiridas – permitem que chegue até o historiador a fala de indivíduos de todas as camadas sociais, com suas diferentes visões do mundo. Para os fins desta comunicação, selecionamos vários exemplos documentais referentes ao cotidiano da relação senhor-escravo na vila de São Salvador dos Campos dos Goitacazes (atual cidade de Campos, RJ), na segunda metade do Século XVIII: libelos de defesa de senhores que castigaram violentamente seus escravos, depoimentos de testemunhas de crimes e de escravos fugidos que foram presos. Falas e discursos que trazem até dos dias de hoje o universo dos interiores, o mundo indevassável das casas senhoriais, do dia a dia do engenho onde controle social e exploração econômica, paternalismo e violência estão íntima e inseparadamente ligados.