Resumo
A maior parte das memórias ou arquivos que examinamos costuma refletir-se ao que, no passado, teve importância. O que as torna relevantes, portanto, é algo exterior e anterior aos documentos: uma história que estes registram. Aqui, porém, discutiremos o empenho em constituir propositadamente um arquivo ou uma memória, isto é, em guardar coisas ou lembranças a fim de que elas se tornem memória. Esse empenho é herdeiro da preocupação, característica do Antigo Regime, em forjar - deliberadamente - uma glória para a alta nobreza ou a realeza. Contudo num mundo em que desapareceram os valores básicos daquelas classes, fica difícil constituir, a frio e de maneira voluntarista, uma glória. Desapareceu a linha divisória que cindia o épico e o banal, a poesia grandiosa e a prosa. Hoje, portanto, a construção deliberada de uma memória de si se dará, o mais das vezes, pelo entesouramento do cotidiano, do banal. Mas o problema é que a passagem do cotidiano, mesmo intensificado pela multiplicação, àquilo que tem a dignidade da memória não é nada fácil, nem óbvia.
