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Exercício Paleográfico: Manuscritos de Jorge Amado e Zélia Gattai
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Exercício Paleográfico: Manuscritos de Jorge Amado e Zélia Gattai
Resumo
A Paleografia é uma ciência aliada à Arquivologia e originalmente ela é dedicada ao estudo de escritos antigos. No entanto, ela também pode ser utilizada como base para os estudos de manuscritos recentes, como é o caso deste trabalho, que apresenta a transcrição e análise paleográfica de cinco cartas manuscritas do acervo pessoal dos escritores Jorge Amado (1912-2001) e Zélia Gattai (1916-2008), dirigidas a outros intelectuais brasileiros da sua época, o antropólogo Arthur Ramos (1903-1949), Zora Seljan (1918-2006), Antônio Olinto (1919-2009) e Cora Coralina (1889-1985). Jorge Amado nasceu na Bahia e publicou o seu primeiro romance, O País do Carnaval, em 1931. Antes da consagração como um dos escritores mais importantes da literatura nacional, Amado se formou em Direito e ingressou na vida política, tendo sido o deputado federal mais votado do Estado de São Paulo, em 1945, cidade onde conheceu Zélia Gattai. Gattai nasceu em São Paulo, sendo filha de imigrantes italianos de ideologia anarquista. Ela conheceu Jorge Amado no Partido Comunista. Eles se casaram em 1945 e moraram inicialmente na Europa, evitando perseguições políticas. Ao voltar para o Brasil, em 1952, Amado e Gattai residiram no Rio de Janeiro e, depois, na década de 1960, mudaram-se para Salvador, onde permaneceram até o fim de suas vidas. Foi na Bahia que Zélia Gattai iniciou a sua produção literária publicando seu primeiro livro, Anarquistas Graças a Deus, em 1979. Objetivando realizar o primeiro exercício de transcrição e análise paleográfica, foram selecionados manuscritos do século XX para enxergar a Paleografia como um instrumento de análise de documentos da História Contemporânea, avançando além do seu objetivo de estudo de escritos antigos, para contribuir com a conservação da cultura e da memória escrita da sociedade. O trabalho foi desenvolvido em três etapas: seleção dos manuscritos, transcrições dos documentos e análise paleográfica. A seleção seguiu os seguintes critérios: ser de fácil acesso (digitalizado e disponível de forma gratuita para a consulta na internet); ser de autoria de Jorge Amado ou de Zélia Gattai; ser correspondência; ser destinado a amigos e outros intelectuais brasileiros; e ser quantitativamente possível de realizar no semestre letivo. Os manuscritos foram consultados em dois acervos digitais: a Biblioteca Nacional e o site Glórias, além de uma tese de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Literatura da UFSC, cuja autora, Andréa Grants, fotocopiou manuscritos do acervo pessoal de Cora Coralina, hoje sob responsabilidade do Museu Cora Coralina, em Goiás. As transcrições dos documentos seguiram as Normas técnicas 82 para a transcrição e edição de documentos manuscritos disponíveis no site do Arquivo Nacional. Durante a análise, procuramos contextualizar os documentos selecionados e identificar aspectos dos suportes e dos tipos de escrita desses autores. Essas cartas fizeram parte do cotidiano do casal, e contêm conversas carinhosas entre pessoas queridas, que ao mesmo tempo também discutiam questões profissionais. O primeiro manuscrito – M1 – (AMADO, 1938) é anterior ao casamento de Amado e Gattai, pois data de 1938. Nesta carta, Amado escreve para Arthur Ramos para lhe enviar o endereço de um “americano” interessado em traduzir seu livro O Negro Brasileiro. Jorge Amado e Arthur Ramos foram amigos e admiradores mútuos de seus trabalhos. O segundo manuscrito – M2 – (AMADO, 1949) de Amado para Ramos foi escrito em 20 de setembro de 1949. Nessa data, Amado e Gattai estavam de mudança de Paris para Praga, cidade onde moravam naqueles anos. A relação de amizade afetuosa entre eles fica clara nesta carta, pois no início do texto Amado desculpa-se por estar saindo de Paris sem ter ido dar um abraço de despedidas no amigo, e ao final do documento ele diz que escreverá novamente, de Praga, ainda naquela semana. Isso significa que eles se correspondiam frequentemente. Hoje, podemos imaginar a tristeza que Amado deve ter sentido algumas semanas depois, ao saber que Ramos havia falecido, em 31 de outubro de 1949. O terceiro manuscrito – M3 – (GATTAI) é o único escrito por Gattai, e endereçada para um grande casal de amigos: Zora Seljan e Antônio Olinto. Gattai, carinhosamente, começou a carta chamando os dois de “Meus Zolintos”. A carta tem apenas a data tópica, de Portugal, mas pelo contexto sabemos que ela foi escrita durante uma das viagens do casal, entre o final dos anos 1970 e inícios dos anos 1980. Seljan e Olinto foram amigos íntimos de Amado e Gattai, com quem trocaram muitas cartas. O quarto manuscrito – M4 – (AMADO, 1975) é uma carta de Amado para Cora Coralina, datada de 13 de outubro de 1975, na Bahia. Nessa carta, Amado agradece a Coralina pelos doces enviados a ele pela escritora. Segundo Amado, os doces eram “sublimes” e “divinos”. O escritor fala de Coralina como “uma artista, admirável em sua arte, a mais nobre das artes, a culinária”. Amado assina, na verdade, pelo casal: ele e Gattai. Assim, a carta nos mostra mais uma amizade afetuosa do casal com outra escritora, também bastante famosa no Brasil. Além disso, o documento nos trouxe um novo elemento: Cora Coralina também fazia sucesso na cozinha. O quinto e último manuscrito – M5 – (AMADO, 1977) é igualmente uma carta de Amado para Cora Coralina, escrita cerca de dois anos depois, em janeiro de 1977. Nessa carta, Amado agradece a publicação, ou talvez o envio, do “Meu Livro de Cordel”, obra de autoria de Cora Coralina. Amado revela que se comoveu com os poemas sobre Pablo Neruda, e que “gostou demais” do poema “A casa do berço azul”. Amado termina a carta dizendo que “uma hora dessa” iria visitar a amiga, em Goiás, na companhia da esposa. Esse último documento, então, complementa o anterior no sentido de revelar as amizades entre o autor e a destinatária, a quem Amado refere-se carinhosamente por “fada”. Concluímos que, por vezes, os autores “falavam” pelo casal, mas as escritas de cada um deles mantiveram as suas particularidades. A grafia de Gattai mostrou-se mais correta do ponto de vista ortográfico, e também de mais fácil entendimento. As maiores dificuldades foram em relação à grafia de Jorge Amado, tendo algumas palavras permanecido como “ilegíveis” nas transcrições do M1 e M2. Percebemos, também, diferenças na letra de Amado, entre as primeiras cartas (datadas de 1938 e 1949) e as últimas, mais recentes. As primeiras contêm letras mais juntas, e, por isso, são mais difíceis de compreender. Os exercícios de transcrição e análise paleográfica dos manuscritos pessoais de Jorge Amado e de Zélia Gattai foram bastante interessantes. Além de ter nos possibilitado aplicar os conhecimentos técnicos estudados, os manuscritos nos permitiram conhecer um pouco da escrita informal desses autores, que levemente imprimiram suas formas de pensar na cultura do nosso país. As pessoas apresentadas nas transcrições são renomadas personalidades do meio intelectual brasileiro que produziram inúmeros documentos cobrindo quase um século de história literária nos mais variados aspectos e temas. Nesse sentido, concluímos que ao contribuir para a conservação desses documentos, não estamos preservando apenas o seu passado, mas a memória dos brasileiros. Esses documentos materializados em manuscritos carinhosos se reportam a uma época não muito distante, mas de riqueza intelectual, literária e histórica, bem como de importância arquivística.
Palavra-Chave
Arquivologia | Jorge Amado | Manuscritos | Paleografia | Zélia Gattai
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Organizador(es)
DI BERBARDI, Adriana | LEHMKUHL, Camila Schwinden | LINDEN, Leolíbia Luana | SILVA, Ádria Mayara da | SOUZA, Luiza Morgana Klueger | WITKOWSKI, Michelle dos Santos
Editora
Natureza
Sessão
EIXO 2 - A FUNÇÃO SOCIAL E POLÍTICA DOS ARQUIVOS E ARQUIVISTAS NA CONTEMPORANEIDADE
Páginas
81-83
Ano
Categoria
Local
Outro Idioma
Title/Título/Titre
Paleographic Exercise: Manuscripts by Jorge Amado and Zélia Gattai