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Arquivos pessoais e gênero: os arquivos de mulheres na produção científica arquivística brasileira
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Arquivos pessoais e gênero: os arquivos de mulheres na produção científica arquivística brasileira
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Resumo
Os arquivos pessoais, ao longo das últimas décadas, adquiriram uma relevante posição no cenário do patrimônio documental brasileiro justamente por permitirem não apenas a possibilidade de reconstruir trajetórias com um caráter biográfico, como também de compreender o ambiente familiar, intelectual e o contexto sociopolítico no qual os titulares se encontravam inseridos. No entanto, são recentes as reflexões sobre o impacto das escolhas, implícitas ou explícitas, tomadas nas operações de organização e descrição da informação no que concerne à representatividade abrangente e plural da sociedade (PEREIRA, 2019). Partindo desse entendimento, o trabalho com arquivos pessoais deve levar em conta o valor que determinado acervo pode ter para outros indivíduos, sem esquecer da variedade das situações em que são gerados e acumulados os diversos documentos que os compõem, além das múltiplas interferências a que estão sujeitos. Bellotto (2012) destaca que é justamente a variedade de usos e de origens o que torna esses arquivos fascinantes. Camargo (2009) chama a atenção para as escolhas decorrentes das políticas de aquisição de acervos pessoais, pois delas irá depender a representatividade do acervo como um todo e, em alguns casos, a configuração e o tratamento dos fundos que o integram. A autora ressalta que o prestígio do titular é determinante para a atribuição de relevância de determinado arquivo para preservação e difusão e questiona se o tratamento voltado apenas aos acervos de nomes que desfrutam de visibilidade acadêmica ou social não seria um limitador para o campo de pesquisa. Conforme afirmado por Silva (2018), 'silêncio e invisibilidade não são elementos neutros'. Na história dos arquivos, desde os tempos antigos e, até mesmo, em seu uso atual, os documentos serviram para estabelecer, documentar e perpetuar a influência das elites de poder. Foram usados para reforçar o prestígio e a influência das elites nas sociedades, por meio do controle e manipulação das informações e dos documentos. Por conta disso, Jimerson (2007) defende que os arquivistas têm a responsabilidade moral e profissional de equilibrar essas narrativas, tomando medidas ativas para combater os preconceitos de práticas arquivísticas anteriores. Assim, cada vez mais os arquivistas têm sido confrontados com a necessidade de preservar e dar acesso a vozes e experiências diversas daquelas que tradicionalmente se ocupam. Joan M. Schwarts e Terry Cook (2002) descrevem como os arquivos, enquanto instituições, exercem poder sobre a responsabilidade administrativa, legal e fiscal de governos, corporações e indivíduos e como os arquivos, enquanto registros, têm poder de moldar a direção dos estudos históricos, da memória coletiva e da identidade nacional. Nesse sentido se evidencia a necessidade de discutir a presença de arquivos pessoais de mulheres nas instituições de salvaguarda de acervos, de forma a compreender qual o espaço reservado para as experiências e memórias delas enquanto sujeitos históricos e representativos. É preciso, portanto, analisar como os arquivos preservam fontes documentais relativas às mulheres e como registram a presença delas na construção da memória social. As relações de poder e de gênero têm mantido as mulheres ausentes da participação ativa da produção do conhecimento. Como consequência, há um nítido apagamento das trajetórias femininas cujas memórias são, em diversos casos, relegadas a um lugar secundário ou como complementares às memórias dos titulares homens, estando associadas a estes que, em geral, são seus companheiros ou familiares. Essa disparidade também se faz notar nos acervos privados tratados pelas instituições de guarda e memória. A escassez de acervos pessoais femininos nas instituições foi realçada nos trabalhos de Silva (2018), Pereira (2019), Barros (2020) e Nascimento (2020). O objetivo deste trabalho então é verificar a assiduidade com que a temática aparece na literatura científica no campo da Arquivologia, identificando os estudos que tratam ou fazem uso de arquivos pessoais de mulheres e como o assunto vêm sendo abordado pela comunidade arquivística. Para isso foi realizado um estudo de caso que, conforme colocado por Gil (2002), possui um alcance analítico-descritivo de questões contemporâneas ao visar compreender melhor a particularidade de uma dada situação em estudo. Busca-se, então, avaliar, por meio de um levantamento dos trabalhos referentes à arquivos pessoais de personalidades mulheres, como os pesquisadores e profissionais de arquivo vêm se posicionando no tratamento dos arquivos pessoais, com o propósito de proporcionar uma visão global da questão. As buscas foram realizadas na Base de Dados Referenciais de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e considerou as publicações dos últimos 10 anos. O recorte temporal definido levou em consideração que as pesquisas, estudos e discussões sobre os arquivos pessoais no campo da Arquivologia brasileira é relativamente recente, verificando-se um aprofundamento na discussão sobre o tema nas últimas duas décadas, conforme observado nas principais publicações sobre o tópico em questão na área. Mattos, Arrojado e Sobral (2019) inclusive identificaram um aumento no número de publicações relativas aos arquivos pessoais em encontros científicos brasileiros no âmbito da Arquivologia e da Ciência da Informação, com maior produção na última década. Na BDTD foram recuperados um total de 112 trabalhos relativos à arquivos pessoais como resultado da busca por título e assunto utilizando termos combinados, dos quais 33 se referiam especificamente a trabalhos que utilizaram ou discorreram sobre acervos pessoais específicos. Ainda assim a pesquisa recuperou um total de 25 trabalhos relativos à arquivos pessoais de titulares homens e apenas oito referentes a arquivos de mulheres. Ressalta-se que todas as monografias foram produzidas nos últimos seis anos. Em pesquisa na Base de Dados Referenciais de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação, utilizando os mesmos termos como palavras-chave, o resultado tampouco foi muito animador: dos 97 artigos recuperados, 27 tratavam especificamente de arquivos pessoais de titulares homens enquanto apenas cinco trouxeram pesquisas sobre mulheres. Foi possível notar que o interesse pela temática dos arquivos pessoais de mulheres tem despontado timidamente nos últimos cinco anos. Embora ainda não seja um número significativo, esses trabalhos servem de estímulo para pensarmos a importância das discussões no âmbito da teoria e da prática arquivística sobre os processos de aquisição e tratamento de experiências e produções de sujeitos ou grupos sociais invisibilizados. Aos poucos as reflexões sobre a representação das mulheres no âmbito dos arquivos têm ganhado corpo a partir do trabalho de uma comunidade multidisciplinar e compromissada em dar voz às comunidades marginalizadas e fomentar novas discussões. A criação da Rede Arquivos de Mulheres (RAM), fórum colaborativo surgido em 2020 de uma parceria entre pesquisadoras e pesquisadores do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e da FGV CPDOC, demonstra justamente a preocupação com a esparsa presença – ou ausência – de arquivos femininos nas instituições de guarda. Surge como um importante e necessário espaço para debater a presença feminina nas instituições arquivísticas. Assim, faz-se premente discutir a presença de arquivos pessoais de mulheres nas instituições de salvaguarda de acervos, de forma a compreender qual o espaço reservado para as experiências e memórias delas e em que medida as políticas de aquisição de acervo nas instituições e a ênfase dada a certas atividades e tipologias documentais influenciam na representatividade do acervo como um todo, questionando até que ponto o que selecionamos e disponibilizamos representa as diferentes facetas e dimensões da sociedade. As funções desempenhadas pelos arquivos vão além das funções de organizar e conservar os documentos: são imbuídos de responsabilidade para com a sociedade. Ligados a demandas político-sociais de indivíduos e grupos, servem como instrumento de cidadania. O tratamento, a descrição arquivística e a disponibilização de tais acervos promove a abertura para áreas inexploradas e complementares aos estudos dos arquivos, assim como possibilita um novo olhar aos grupos marginalizados.
Palavra-Chave
Arquivos Femininos | Arquivos > Arquivos pessoais | Arquivos > Arquivos pessoais de mulheres | Representatividade Feminina
Relacionado à Obra
Organizador(es)
DI BERBARDI, Adriana | LEHMKUHL, Camila Schwinden | LINDEN, Leolíbia Luana | SILVA, Ádria Mayara da | SOUZA, Luiza Morgana Klueger | WITKOWSKI, Michelle dos Santos
Editora
Natureza
Sessão
EIXO 2 - A FUNÇÃO SOCIAL E POLÍTICA DOS ARQUIVOS E ARQUIVISTAS NA CONTEMPORANEIDADE
Páginas
65-68
Ano
Categoria
Local
Outro Idioma
Title/Título/Titre
Personal archives and gender: women archives in the brazilian archival scientific production