Resumo
Nicolau Alekhine, engenheiro militar e topógrafo russo, veio para o Brasil em 1921 na condição de refugiado da Revolução Russa. No Brasil, especializou-se em estudos dominiais sobre a organização fundiária do estado de São Paulo e principalmente, da capital paulista. Foi desenhista da Prefeitura de São Paulo e atuou na Procuradoria da Fazenda Nacional no estado. Em maio de 1964 foi preso e teve seu arquivo particular confiscado pelo Exército Brasileiro sob alegação de se envolver com grilagem de terras do Hospital Militar de São Paulo (bairro do Cambuci), favorecendo dois oficiais militares lotados naquela instituição. A partir dessa investigação, foi aberto um novo Inquérito Policial Militar para apurar crime contra a segurança nacional evidenciado na análise da documentação. Seu arquivo particular foi desmembrado pelos militares e grande parte foi doada para a Superintendência do Iphan em São Paulo. Em nossa pesquisa de mestrado, trabalhamos com o Fundo Nicolau Alekhine do Arquivo Iphan-SP, sob guarda da instituição há pelo menos 50 anos. Interessa-nos, para além do conteúdo escrito em papel por um determinado sujeito, o “não dito”, as relações de poder que formaram este acervo, as classificações que foram dadas à documentação, os discursos acionados pelos diferentes sujeitos e instituições que se apropriaram do arquivo - inclusive o próprio IPHAN – e as determinações que fizeram com que o arquivo chegasse espacialmente onde ele está. A pesquisa visa “desnaturalizá-lo” por meio da análise sociológica e histórica da documentação. Desse modo, a “lente” etnográfica auxilia a pesquisa histórica ampliando a análise para além do conteúdo do acervo. Entendemos os arquivos como produtos de intencionalidades dos diferentes agentes que dele se apropriam e agenciam diariamente: titulares, família, arquivistas, pesquisadores. São processos seletivos tanto da sinapse de criação que transforma o que é pensado em escrito, quanto dos registros que informam sobre nossa existência. Do imbróglio de apropriações pelos quais passaram o arquivo particular de Alekhine, levantamos algumas questões que são trabalhadas na pesquisa: Quais as motivações que levaram Alekhine a guardar seus documentos? Qual a intenção ao elaborar seus mapas e estudos? Em que contexto se constituiu o arquivo? Quais os múltiplos sentidos foram atribuídos ao mesmo arquivo em diferentes períodos e por distintos sujeitos? Que atores participaram na acumulação, guarda e destinação deste arquivo? Que intenções e sentidos podemos atribuir a esta tarefa minuciosa de produção de mapas, desenhos e estudos dominiais sobre a ocupação territorial de São Paulo? O foco principal da pesquisa é a produção de uma “biografia do arquivo”, entendendo-o como um objeto passível de representações e diferentes apropriações ao longo do tempo.
